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Amnistia de Infrações Disciplinares:
A Mais que Provável Inconstitucionalidade
(v20230916-01)

A Lei da Amnistia não é parca em originalidades, das quais se tem dado conta em diversos fora, além do extenso debate que continua a suscitar.

No entanto, tem permanecido relativamente apagada uma dessas "originalidades", pese embora de grande relevância prática. Trata-se da extensão da amnistia, com o consequente "apagamento" dos efeitos jurídicos de infrações, às praticadas no âmbito laboral, independentemente da idade do trabalhador e do setor de atividade.

Isto porque a alínea b), do nº 2, do artº 2º da Lei 38-A/2023, 2 de Agosto prevê a amnistia para "as infrações disciplinares ... praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023". Especifica, ainda, a Lei, quais são essas infrações, apontando as "que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão".

E nada mais se avança ou clarifica.

Quer isto então dizer que, caso estejamos perante um processo disciplinar ou a mera intenção de instaurar um procedimento disciplinar, relativo a infração cometida por trabalhador até ao final do dia 18 de Junho de 2023, que não constitua crime não amnistiado e não seja passível de sanção de despedimento, verifica-se a respetiva extinção. Assim, a atitude certa é, pura e simplesmente desistir, já que será inútil a respetiva prossecução, por força da Lei. E, repita-se, não importa a idade do trabalhador. Como também não importa que tipo de infração foi cometida, desde que cumpridos aqueles requisitos de não constituir crime ou não conduzir ao despedimento.

De igual modo, os processos disciplinares já decididos, mas cujas sanções disciplinares não foram aplicadas antes da entrada em vigor da nova Lei, deixam de poder ser executadas. Nestas situações, o mais avisado será dar sem efeito a execução da sanção, pois esta será a consequência legal.

Ora, a determinação legal de fazer ceder, irremediavelmente, uma decisão empresarial - a de concretizar um procedimento disciplinar - não pode deixar de ser entendida como uma interferência na gestão privada das empresas. E isto ao arrepio do que determina o nº 2, do artº 86º da Constituição da República Portuguesa, que proíbe o Estado de intervir na "gestão de empresas privadas", a não ser "a título transitório, nos casos expressamente previstos na Lei e, em regra, mediante prévia decisão judicial".

É, pois, muito provavelmente inconstitucional este comando legal que atribui à Lei a força de paralisar uma decisão de uma entidade empregadora, sem qualquer outro fundamento que não seja a aplicação de uma amnistia. E nem sequer é entendível o porquê de um regime com tantas e tão previsíveis consequências empresariais, já que o legislador é completamente omisso em fundamentação.

E nem parece ser equacionável o argumento de que o legislador disse "mais do que queria", sobretudo se compararmos o regime ora definido com o da anterior Lei da amnistia, do ano de 1991.

Neste caso, o legislador tornou claro que as infrações disciplinares passíveis de amnistia seriam as puníveis pelo "Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local", as cometidas por trabalhadores de empresas públicas ou de capitais públicos, bem como as cometidas por profissionais liberais sujeitos a poder disciplinar das respetivas associações públicas de carácter profissional.

Numa palavra, o legislador de 1991 acolheu a autonomia e independência das decisões empresariais, nos termos salvaguardados pela Constituição.

Pelo contrário, o legislador de 2023 tratou decisões de iniciativa privada como se houvesse subalternidade das empresas e associações privadas face ao Estado.

Manuela Duarte Neves

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